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Definindo suas Zonas de Frequência Cardíaca

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  • tempo de leitura: ~15 minutos
Homem de blusa vermelha verificando as zonas de frequência cardíacas de atletas

Entender suas zonas de frequência cardíaca pode ser bem útil para calibrar o seu esforço durante os treinos, especialmente em treinos fáceis ou que necessitam de mais estabilidade, além do controle em intensidades mais elevadas. Existe um método bem simples, ainda que imperfeito, mas bem útil para entender as intensidades de treino.

O que você encontrará nesta página:


Nossa fisiologia é algo maravilhoso e único. E essa individualidade cria um problema em especial para os atletas. Como podemos entender nossa fisiologia em um contexto mais amplo da teoria do treinamento, quando cada variável da população é uma curva de sino? Equações gerais funcionam para o pico da curva, onde ela é mais ampla e possui uma maior amostra, mas começa a ficar ativamente errado e contraproducente conforme se aventura para as bordas e pontos fora da curva.

Considere a equação que muitas pessoas já devem ter ouvido falar: frequência cardíaca máxima = 220 – idade (a mais atualizada: 208 – idade x 0,7). Enquanto esta equação tem lá a sua utilidade, pode ser inútil para alguns indivíduos, especialmente atletas com mais idade e/ou que estão altamente treinados, e possuem um limiar aeróbio bem mais alto do que a equação vem a predizer. Treinar com uma equação genérica poderia impedir alguns atletas de acumular os devidos benefícios em esforços mais constantes e provavelmente não desenvolveria bem sua velocidade, o transformando em um atleta mais lento do que deveria ser.

Veremos aqui, algumas formas de calcular as zonas de frequência cardíaca e que os ajudarão a calibrar as suas intensidades de treinamento. Saber os intervalos das intensidades é algo bem útil, pois assim consegue otimizar a sua aptidão metabólica, permitindo o corpo a queimar mais gordura em esforços mais altos, ao mesmo tempo em que suporta uma melhor proliferação e eficiência mitocondrial.

A terminologia da fisiologia do exercício é algo que está sempre sujeita a debate e evolução, contudo, este infográfico do Fluid Athletics consolida bem como as terminologias do endurance.

Caso não esteja conseguindo visualizar a postagem do instagram acima, pode acessar o infográfico no site deles: fluidathletics.com/terminology.

O que são as Zonas de Frequência Cardíaca?

Estaremos utilizando o tradicional modelo de 5 zonas, em contraste com o de 3 zonas utilizado pela maioria das pesquisas de treinamento, mas é bom entender como ambos funcionam e interagem. A frequência cardíaca é pensada como um proxy para as concentrações de lactato. Para simplificar bastante, o lactato é produzido conforme o nosso corpo utiliza glicose para abastecer a produção de ATP durante a glicólise. O lactato é uma fonte de combustível para as células, e é acompanhada de um íon de hidrogênio que muda o pH da musculatura e contribui para a fadiga. Quando o mecanismo de transporte do lactato está sobrecarregado, os níveis de lactato e a fadiga aumentam, tornando o exercício físico menos sustentável.

Quando as concentrações de lactato começam a aumentar, a intensidade muda de fácil para moderado, um ponto de inflexão conhecido como Lactate Treshold 1 – LT1 é amplamente sobreposto ao limiar aeróbio, onde os atletas passam da queima primária de gordura para a queima primária de glicogênio. E quando os níveis de lactato aumentam muito rápido em intensidades mais altas, existe a transição do esforço moderado para o difícil, um outro ponto de inflexão conhecido como LT2, que é amplamente sobreposto ao tradicional limiar de lactato (ou ainda velocidade crítica, dependendo do método de cálculo). Essa explicação abrange o modelo de 3 zonas utilizado na pesquisa:

  • Zona 1 – Abaixo do LT1, ou mantendo uma concentração abaixo de ~2mmol de lactato, com uma pequena variação individual (pense em corridas fáceis e até estáveis para atletas mais avançados);
  • Zona 2 – Fica entre LT1 e LT2, geralmente entre 2 e 4 mmol de lactato (treinos de tempo, ou algo próxima a um esforço de 1 hora);
  • Zona 3 – Acima do LT2 (pense em intervalados e treinos de subida forte).

Essas zonas são utilizadas em pesquisas para determinar a distribuição de intensidades, e cada uma dessas zonas estressa mais um determinado sistema energético do nosso corpo. Mesmo com esses detalhamentos sendo aproximações grosseiras, pode ser útil colocar alguns números no papel para ter alguma orientação (todos os números abaixo com uma boa variação e algum erro).

  • Um modelo piramidal utilizado pela maioria dos atletas de elite geralmente envolve 75-85% na zona 1; 10-25% na Zona 2; e 5-10% na zona 3;
  • Um modelo polarizado utiliza 75-85% na zona 1; 5-10% na zona 2; e 10-15% na zona 3;
  • Um modelo de limiar conhecido por alguns como Noruegues, utiliza 60-75% na zona 1; 20-30% na zona 2; e uma pequena porção na zona 3.

Achar as zonas de frequência cardíaca, sem testes laboratoriais de lactato, metabólicos e/ou ventilatórios, é como determinar a hora do dia a partir da posição do sol. Com algumas dicas e contexto é possível se aproximar da hora, mas nunca será um resultado preciso.

Modelo de treino das Cinco Zonas

Agora, vamos finalmente definir o modelo das cinco zonas de frequência cardíaca que é mais utilizado nas abordagens de treino. O modelo de 3 zonas geralmente é sobreposto com verde, amarelo e vermelho, do mais fácil para o mais difícil, e ainda existe um certo debate no modelo de cinco zonas sobre a divisão exata no delineamento entre a zona 3 e a zona 4.

  • Zona 1 – Treinos fáceis e de recuperação, tem a gordura como fonte principal de energia e com bem pouca produção de lactato. Atletas geralmente conseguem conversar durante todo o esforço de treino e podem levar a atividade por praticamente todo o dia se estiverem adequadamente hidratados e alimentados;
  • Zona 2 – Treinos fáceis e estáveis, limitados ao LT1, onde o corpo começa a produzir mais lactato e a taxa de ventilação aumenta. O limite superior da zona 2 pode ser sustentado por diversas horas, com alguma variação baseado no treinamento do atleta;
  • Zona 3 – Treinos em ritmo moderado, muitas vezes chamados de tempo. Atletas podem falar e sentenças, e ainda se sentem relaxados, é uma atividade que pode ser sustentada por algumas horas com a devida nutrição;
  • Zona 4 – Treinos em ritmo moderado a difícil, também conhecidos como limiar de lactato, é a margem superior é o cruzamento da LT2. Atletas podem falar pequenas sentenças e a respiração já fica mais elaborada. Os treinos nesse esforço, geralmente, podem ser sustentados por 30-60 minutos;
  • Zona 5 – Intervalados rápidos e difíceis, também conhecidos como treinos de VO2 máximo. É uma zona ampla que consiste de esforços bem intensos e em algumas abordagens pode ser dividida em subzonas.

Existem algumas formas de definir essas zonas, mas uma das mais utilizadas e com maior precisão a ser executado fora do laboratório é o método desenvolvido pelo Joe Friel.

O Teste de Friel

O teste consiste em achar a zona cardíaca do limiar de lactato executando um time-trial de 30 minutos. Tudo o que é requerido é correr ou pedalar o mais forte o possível durante 30 minutos, tudo sozinho, solo! Fazer o teste como parte de uma corrida ou com parceiros de treino irá mudar o resultado. O número pode vir mais alto. Se quer fazer com outros ou como parte de uma corrida, então faça por 60 minutos em vez de 30. É importante deixar claro que durante a execução do teste, deve-se optar por utilizar um medidor de FC que utilize a faixa no peito, devido a maior e melhor precisão, mesmo com os medidores de pulso tendo uma grande evolução durante os últimos anos.

Assim que você capturar o dado em seu aparelho, encontre a média da frequência cardíaca para os últimos 20 minutos do time-trial. Este valor será a zona cardíaca do seu limiar de lactato aproximado (também referido como limiar anaeróbio ou frequência cardíaca limiar funcional). Se você não tem um software adequado para calcular o valor, basta pressionar o botão de lap no minuto 10 do teste. O valor do intervalo dos últimos 20 minutos será o valor aproximado do seu LL. Isso não quer dizer que você deve ir fácil nos primeiros 10 minutos e depois correr o máximo nos últimos 20 minutos. O teste é de 30 minutos a toda!

Não olhe o seu relógio durante o teste. Você não está tentando produzir ou se manter em um determinado número. Não se preocupe com qualquer outra coisa, inclusive o seu pace, apenas vá o mais forte que conseguir para os 30 minutos.

A seguir um exemplo de ações durante o teste (tempo necessário de 50 a 55 minutos):

  1. start
  2. 10-15 minutos de aquecimento, com alguns strides depois do minuto 10;
  3. aperte lap (total 15min);
  4. comece a correr forte, por 10 minutos;
  5. aperte lap (total 25min);
  6. continue correndo forte por mais 20 minutos, não diminua o ritmo em relação ao lap anterior;
  7. aperte lap (total 45min);
  8. arrefeça por mais ~5-10 minutos
  9. aperte stop (total 50-55min).

O valor importante é o obtido no passo 6, este será o valor da sua zona cardíaca de limiar de lactato. O teste de Friel deve ser executado separamente para a modalidade de corrida e ciclismo, já que saídas diferentes serão produzidas em ambos os esportes.

Configurando as Zonas de FC

Assim que tiver o número aproximado do seu limiar de lactato, é hora de configurar essas vagas zonas da FC. É outro assunto controverso, onde estão exatamente as porcentagens indicando os limites das zonas, e é assunto de extremo debate. O problema: quando se valida os dados da frequência cardíaca em um teste laboratorial, a fisiologia individual varia substancialmente. As faixas dessas zonas são “simplificadas” em nossos exemplos, mas o delineamento exato das zonas depende do histórico de treino, tipologia das fibras musculares, contexto metabólico, astrologia…

Abaixo estão porcentagens que normalmente são utilizadas para as definições das zonas de treino:

  • Zona 1 – Abaixo de 80% do LT;
  • Zona 2 – Entre 80 a 88% do LT;
  • Zona 3 – Entre 89 e 94% do LT;
  • Zona 4 – Entre 95 e 100% do LT;
  • Zona 5 – Acima do LT.

Colocando essas faixas em prática, vamos supor que executei o teste de Friel, e para os 20 minutos finais da pernada de 30′, o meu bpm médio ficou em 172, sendo este o meu limiar de lacato aproximado, logo o valor para a definição das zonas ficaria da seguinte forma:

  • Zona 1 – Abaixo de 137 batidas por minuto (80% de 172)
  • Zona 2 – Entre 137 e 150 bpm;
  • Zona 3 – Entre 151 e 161 bpm;
  • Zona 4 – Entre 162 e 172 bpm;
  • Zona 5 – Ecima de 172 bpm.

O seu limiar pode variar (para cima e para baixo) conforme o treino, idade, peso, sexo, composição corporal… além de algumas outras variáveis. No geral, atletas tendem a ficar com o limiar de lactato entre 165 e 175 – mesmo os profissionais. Contudo, números tão altos como 189 e tão baixos como 152 também podem ser encontrados. Por regra, quanto maior o volume de treino, maior é a necessidade de se passar entre a zona 1 e a zona 2 de treino.

Como treinar utilizando as Zonas de FC?

Existem 2 pontos onde é interessante ter uma noção das suas zonas de frequência cardíaca: primeiro, entender a Zona 2 (o limite dela, e a transição para o LT1), e o segundo é determinar a sustentabilidade de esforços mais longos, esses dois pontos praticamente irão conduzir os seus treinos. Agora, vamos abordar cada uma das zonas e o que significa treinar nelas (ao final de cada zona estará o valor aproximado em RPE0-10 para ter uma noção quando se treinar pela sensação de esforço subjetivo):

  • Zona 1 – É ideal para aquecimentos, arrefecimentos e corridas de recuperação (inlusive aquelas entre as pernadas mais fortes) Para atletas com alto volume de treino, quase que todas as corridas fáceis ficam nessa zona e na zona 2. RPE 0-3;
  • Zona 2 – Ideal para rodagens, leves inclinações e longos. Para atletas menos avançados, a Zona 2 acaba sendo o ponto ideal para o treino aeróbio e ganhos com adaptações mecânicas. Na maioria dos sistemas de treino com mais volume, 80-90% do volume total deveria ser investido nas zonas 1 e 2. RPE 3-5;
  • Zona 3 – Ideal para treinos de subida e trilhas, que necessitam um pouco mais de esforço, corridas progressivas e treinos de tempo mais longos e relaxados. Para a maioria dos corredores de trilha, fazer treinos de subida nesta zona pode melhorar a saída mecânica e adicionar intensidade na distribuição semanal. RPE 6-7;
  • Zona 4 – Ponto ideal para treinos de tempo run, intervalados mais longos e treinos de limiar. Quando se faz os treinos de limiar é melhor começar em um nível de intensidade com concentrações mais baixas de lactato e ir construindo conforme aumenta o esforço. Os atletas mais avançados devem tentar distribuir melhor o esforço entre a zona 3 e 4, já os menos avançados idealmente devem passar mais tempo na zona 4. Usualmente, 10-15% do volume de treino fica com as zonas 3 e 4. RPE 7-9;
  • Zona 5 – É a zona de intervalados, treinos de esforço máximo e melhoria do VO2 máximo. Uma pequena porcentagem do treino é gasto nessa zona, com o foco sendo concentrado em melhorar a saída mecânica e neuromuscular do que no sistema aeróbio. RPE 9-10.

Saber o limite superior da Zona 2 pode ajudar o atleta a calibrar o esforço para entender melhor os significados de: “fácil”, “estável” e “moderado”. Acompanhar a FC periodicamente em esforços mais difíceis pode te ajudar a não ir forte demais, fazendo com que avance para a Zona 5 e com isso diminua os ganhos com as adaptações aeróbias. Também é importante que os atletas tenham uma ideia de como a FC aumenta em esforços de subidas, já que o excesso desses esforços pode levar a redução da resistência e desempenho da corrida. Resumindo, as zonas 1 e 2 são seus familiares e deve passar bastante tempo com eles; a zona 3 é um amigo, que é sempre bom com moderação; a zona 4 é um conhecido; e passar muito tempo com a zona 5 pode dar uma ótima sensação, mas o fará ter aqueles belos dias de ressaca.

Concluindo

O ponto-chave é que essas zonas de frequência cardíaca são apenas um proxy para o processo de fadiga, especialmente quando calculado fora do laboratório. Os números podem variar dia-a-dia, e eles mudam conforme o bloco de treino. Temperatura, estresse, cafeína e notícias sobre política, tudo isso gera impacto nos números, e ficar se preocupando muito com os valores exatos das zonas mais atrapalha do que ajuda.

Veja as zonas de FC como uma forma de calibrar a sua fisiologia de uma forma geral, cheque o seu esforço percebido em cada uma dessas zonas, para saber se o que acha que o seu corpo está fazendo se alinha com o que o seu corpo está realmente fazendo. Vez ou outra é interessante acompanhar as variações da FC do treino, não precisa considerar muito as pequenas variações, deve levar em conta também que a medição do FC é pouco responsiva, então não é muito útil verificar as medidas durante esforços mais curtos.

Se você distribui a intensidade de seus treinos adequadamente, e treinar dentro da faixa geral dessas intensidades, seja guiado pela FC, pelo lactato ou pela sensação de esforço percebido, irá melhorar o seu desempenho, especialmente nas Zonas 2 e 3, que são mais sustentáveis – metabolicamente falando. Você definitivamente não precisa de um monitor de FC para conquistar seus objetivos, o que precisa é de ter uma ótima noção da sua fisiologia única.

Todos os nossos corpos podem ser maravilhosos quando bem calibrados. As vezes precisamos de um pouco da coisa mais sexy de todas: dados.


Fontes

 

#endorfine-se

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