Como e quando ultramaratonistas devem utilizar treinos de acelerações, subidas e predições em seu programa de treino.
Esta é a quarta – e última – parte de uma série de traduções adaptadas de matérias do site I Run Far que será dividida em 4 partes com diversos treinos para ultramaratonistas, onde cada parte envolve o estresse de um dos sistemas energéticos. As quatro partes são:
- Treinos de resistência para Ultramaratonistas;
- Treinos de estamina para Ultramaratonistas;
- Treinos de velocidade para Ultramaratonistas;
- Treinos de acelerações para Ultramaratonistas.
Nota importante: Desde que 2 atletas não possuem o mesmo background, preferências e metas, é quase impossível assumir números que funcionem para todos sobre o quanto se deve fazer e o que se deve fazer. O que foi feito foi apresentar um framework geral e sugestões sobre abordagens e como maximizar o seu processo de treinamento. As abordagens apresentadas em todas as partes desta série podem ser utilizadas como os atletas/treinadores preferirem desde que as suas metas e procedimentos sejam claros e estejam de acordo com o objetivo final do atleta. Apesar das matérias serem focadas para ultramaratonistas, nada impede de corredores de outras distâncias utilizarem os exercícios apresentados na série. O protocolo mais comum é utilizar a abordagem do Arthur Lydiard, mas caso tenha curiosidade é possível utilizar esses conceitos com a abordagem do Renato Canova.
O que você encontrará nesta página:
A quarta e última categoria de exercícios são os treinos baseados em tiros. Esses exercícios melhoram a habilidade do corpo correr bem rápido quando os músculos estão inundados de ácido lático e melhoram a economia de corrida, desenvolvendo a coordenação entre músculos e o sistema nervoso.
Treinos baseados em Tiros
Sessões de tolerância ao ácido lático expõe o velocista interno do ultramaratonista, ao lhes ensinar a fazer com que o corpo recrute fibras musculares adicionais e se torne acostumado com a sensação de queimação nos músculos durante o esforço total de corrida. Esses intervalos duram entre 30 segundos e 1 minuto, e são realizados em um esforço no qual o atleta é capaz de sustentar por 2 a 6 minutos. A recuperação entre as repetições é relativamente longa – sendo aproximadamente de 2 a 5 vezes a distância percorrida durante o tiro.
Já as acelerações neuromusculares (strides) são bem mais curtas que os intervalados de tolerância ao ácido lático. Duram de 10 a 30 segundos, e ensinam o corpo a mover as pernas de forma rápida sem aumentar ou acumular o ácido lático na musculatura. A recuperação de cada stride também é mais rápida – para cada aceleração feita, de 45 a 60 segundos de recuperação são o suficiente. A velocidade é alta, mas não é para ser um esforço de sprint de 100m, ao executar o stride o atleta não deve sentir nenhuma queimação nas pernas ou falta de ar. O objetivo é focar na forma adequada de corrida.
Implementando
Comece em terrenos macios e estáveis e após algumas semanas de treino realizado, comece a adicionar trechos com pequenas inclinações, para melhorar a forma de corrida em ambientes com inclinações.
As sessões de tolerância ao ácido lático não são totalmente necessárias para o ultra-corredor, são raras as situações onde é necessário focar em tais treinos ou acelerar absurdamente antes de cruzar a linha de chegada em uma prova. Contudo, treinos de strides são componentes chaves para melhorar a eficiência da corrida.
Treinos de acelerações podem começar com 6 a 8 pernadas de 15 a 20 segundos, de uma ou duas vezes na semana, logo após uma corrida fácil ou de recuperação, e irá fazer com que o seu corpo mantenha a devida forma ao correr rápido, sem estar utilizando os equipamentos adicionais que o atleta geralmente utiliza (mochilas, garrafas…). Acelerações também são ótimas formas de preparar o corpo durante o aquecimento para começar um treino mais intenso, como os treinos de estamina ou velocidade.
Treinos em Subidas
Independente de onde será realizada a sua corrida, seja em ambiente montanhoso ou não, treinos em colinas/morros são primordiais, sendo um treino que serve para todas as ocasiões. Seu coração e pulmões serão desafiados, a musculatura das pernas irá ser fortalecida, a coordenação do corpo terá uma melhoria e dependendo do comprimento da subida, a habilidade de tolerar a acumulação de ácido lático e a estamina do atleta serão bem desenvolvidas. Se feito corretamente, esses treinos de baixo impacto para o corpo irão cansar bem mais, contudo suas chances de lesão serão relativamente mais baixas.
Repetições em subidas curtas
Uma das formas de melhorar o seu VO2 máximo é efetuar treinos fortes em subidas. Procure um local com uma inclinação de 6 a 15% que demore de 30 a 90 segundos para subir. Corra em um ritmo equivalente a uma corrida de 5km até completar o trajeto. Foque na boa forma durante a corrida, com propulsões fortes das pernas e bons movimentos dos braços. Retorne ao ponto de início com uma corrida leve, ou até mesmo com uma caminhada. Comece com 4 a 6 repetições e vá construindo até atingir de 12 a 14 pernadas para o treino.
Repetições em subidas longas
Encontre um local com uma inclinação de 6 a 10% que demore de 90 segundos a 3 minutos para chegar ao topo. Corra em esforço equivalente a uma corrida de 10km ou meia maratona. Novamente, foque em uma boa forma. Entre as pernadas, uma corrida bem leve até o início. Comece com 3 a 4 repetições e vá construindo até 10-12 repetições. Este treino também irá melhorar o limiar de lactato.
Fartlek por D+
Durante um treino em local montanhoso (com várias subidas e descidas) com um percurso mais longo, utilize cada trecho de subida como um desafio. Independente do tamanho da subida, corra até o topo em um esforço de 5km, e se recupere na descida subsequente ou área plana. Ajuste a velocidade de acordo com o comprimento e inclinação do trajeto, mas mantenha a sensação de esforço alvo dos 5km. Este treino além de melhorar a estamina do atleta, irá desenvolver a sua confiança de efetuar um esforço maior conforme a corrida vai se alongando.
Escaladas
Encontre um local que tenha um comprimento de alguns poucos quilômetros até o seu topo, idealmente com 60-200m de ganho de elevação para cada quilômetro. Complete um total de 30 minutos a 2 horas por este percurso (caminhadas intensas também podem ser utilizadas em trechos mais complicados), e vá aumentando a intensidade do treino conforme se aproxima do topo. Se por onde você vive não existe um local que se aproxime do descrito, pode utilizar uma esteira que possa regular a inclinação (seria equivalente a algo próximo de 6 a 18% de inclinação) ou faça repetições curtas/longas até completar o tempo de treino.
Circuitos
Esta é uma combinação dos treinos de subidas curtas com strides. Contudo é necessário achar um local ideal para o treino – o que pode ser um pouco complicado. Corra uma subida em esforço alto por 30-90 segundos, em seguida uma corrida leve de 30 a 45 segundos para se recuperar, faça um stride de 20-30 segundos em terreno plano e complete com uma corrida de recuperação até o início para uma nova subida. Idealmente, você terminará com 4-6 subidas fortes e mais 4-6 strides.
Implementando
Esses treinos podem ser utilizados diversas vezes durante a temporada de treino, apenas vá registrando a sua progressão. Ajuste a quantidade de repetições do treino sempre que notar que está indo cada vez mais rápido ou distante nos locais no qual costuma executá-los. Devido a nem todos termos acesso a terrenos de treinos ótimos para os exercícios descritos acima, temos de ser criativos. Utilize pontes, garagens com diversos andares, campos de atletismo, além das esteiras com inclinação.
Treinos em Descidas
Para o corredor despreparado, longos trechos de descida podem acabar com a tentativa de terminar a prova ou tornar a mobilidade das pernas bem ruins com o tempo. Ter sessões de descida de forma frequente em sua programação de treino irá preparar suas pernas para todo o impacto que elas irão receber no dia da prova.
Repetições curtas
Encontre um trajeto com uma inclinação suave (de 6 a 10%) e que demore de 1 a 2 minutos para chegar ao topo. É um treino melhor executado em locais com superfície macia, como grama ou terra, evite terrenos muito sólidos e técnicos, onde o impacto no corpo será maior. Assim como no treino de subida, comece com 4 a 6 repetições e trabalhe até aumentar para 12 a 14 pernadas. Uma caminhada ou corrida bem leve até o topo será o suficiente para a recuperação. Também é uma boa integrar este treino em uma corrida longa.
Descidas longas
Essas corridas longas de descidas devem ter algo entre 600m e 10km (um intervalo de distância bem grande). Quanto mais sustentável a descida melhor será. O objetivo é fazer com que suas pernas fiquem desconfortáveis durante o treino, e fazer com que seu corpo se acostume com a fadiga no dia da prova. Programe uma sessão a cada 10-14 dias durante o período final do treinamento, antes de entrar no taper. A memória muscular para este tipo de treino some bem rápido, com aproximadamente 2-3 semanas.
Implementando
Se você é novo com treinos de descida comece de forma gradual, com várias sessões curtas de descidas. Começar esse tipo de treino de forma muito agressiva, ou correr forte sem a devida preparação fará com que você não seja capaz de treinar de forma confortável por semanas, e talvez até causar alguma lesão.
Predições para Ultramaratonas
Um dos preditores de tempo mais populares que existe para a maratona é o treino Yasso 800s. Complete este treino como o descrito, e você terá uma boa ideia do que poderá fazer no dia de uma prova de maratona. Contudo, predizer o tempo de finalização de uma ultramaratona é um pouco mais complicado, devido a alguns eventos, como: distância, terreno, tempo, altimetria da prova, além do seu estado emocional durante as horas do evento. No entanto, realizar uma estimativa base pode fornecer boas informações sobre o que poderá esperar para o desenrolar da prova.
Implementando
Execute o treino de ensaio com umas 4-6 semanas antes do evento. Cubra de 30 a 60% da distância da prova. Tente imitar o máximo de variáveis possíveis que encontrará no percurso, tal como: terreno, altimetria, equipamento e nutrição que irá utilizar. Se possível, execute este treino no percurso da prova.
Baseado em como se saiu, extrapole algumas metas do dia da prova, de forma sensata. Corrija equipamentos, bem como ajustes na nutrição e ritmo. Teste esses itens com frequência em seus treinos longos, até o dia da sua prova.
Fontes:
- imagem – “Running Olympics Nike – Credit to informedmag.com” by Informedmag is licensed under CC BY 2.0;
- irunfar.com – Sprint-Based, Hill, and Predictor Workouts for Ultramarathon Training.
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