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O papel das mitocôndrias em nosso corpo

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Modelo de mitocôndria da Universidade do Estado do Arizona

As mitocôndrias são pequenas estações de força que não apenas ajudam a abastecer nossos treinos, como também definem a forma exata como nossos corpos respondem ao treino que executamos. Nesta postagem – tradução adaptada de uma matéria do site triathlete.com – veremos como as mitocôndrias afetam nossos treinos e até mesmo nossa vida.

Parece até como um conto que saiu direto de um filme de ficção científica: A muito, muito tempo atrás, em uma sopa primordial, muito, muito distante, duas entidades separadas se fundiram em uma parceria simbiótica. Com seus poderes combinados, uma extravagante forma de vida nasceu, e a vida como conhecemos surgiu.

Contudo, esse rebuscado conto alienígena não é apenas uma história para dormir. Em vez disso, é um fato científico que impulsiona as próprias origens da vida no planeta Terra, e em como você – atleta – é capaz de subir uma colina com seu próprio esforço.

Esta é a história da mitocôndria, e em como cuidar desses blocos básicos de construção de nosso corpo pode torná-lo um melhor atleta – assim como construir uma fundação sólida para o seu treinamento.

Mitocôndrias sob as lentes do microscópio
Mitocôndrias – Foto: Dr. Robert Jacobs
O que você encontrará nesta página:


O que são as mitocôndrias

Se você é sortudo o suficiente para se lembrar, lá atrás, na aula de biologia do ensino médio, foi apresentado às mitocôndrias como as “estações de força” da célula. Contudo, existe muito mais das mitocôndrias, do que apenas manter as luzes moleculares ligadas.

As mitocôndrias executam diversas funções, uma delas é a geração de ATP, diz o Dr. Vamsi Mootha – investigador do Instituto Médico Howard Hughes e professor na Escola de Medicina de Harvard. ATP, ou Trifosfato de Adenosina, é a “moeda de energia celular, e por isso a mitocôndria é chamada de ‘estação de força da célula’”.

“Essas pequenas organelas são bem fascinantes”, diz o Dr. Robert Jacobs – professor assistente na Universidade de Colorado – “e são os únicos componentes em nossas células que também carregam o seu próprio DNA”. O DNA mitocondrial é circular, como o bacteriano, diferentemente do DNA humano, que se auto organiza naquele reconhecível padrão de dupla hélice em forma de escada (ao qual todos também já fomos apresentados na aula de biologia do ensino médio). O DNA mitocondrial é fundamentalmente diferente do que é encontrado no restante da célula, a teoria, de acordo com Jacobs, é que muitos milhares de anos atrás, quando a vida na Terra primitiva era limitada a organismos unicelulares ou com bem poucas células, o DNA de uma substância semelhante a uma bactéria se fundiu com a nossa ancestral forma de vida primordial. “A junção dessa forma de vida mitocondrial bacteriana, que era estranha à nossa forma de vida eucariótica ancestral, permitiu que a vida na Terra realmente prosperasse além do que era capaz”. Isso devido ao fato da mitocôndria usar oxigênio para se alimentar. Um truque muito bem vindo em uma época no qual a atmosfera terrestre era rica em oxigênio. Embora abundante, o oxigênio em tempos primordiais era volátil demais para ser utilizado com eficiência pela maioria dos organismos unicelulares.

O oxigênio é muito combustível e instável, isso devido ao fato dela precisar de elétrons adicionais. No corpo, essa instabilidade – as vezes – irá roubar elétrons de nosso DNA ou de nossas proteínas e isso pode ser danoso (é assim que radicais livres são formados, e os antioxidantes neutralizam os radicais livres e limitam os danos).

Essa infiltração inicial de DNA desencadeou diversos eventos em nosso ancestral unicelular, a partir de então a fusão simbiótica passou a lidar bem com o oxigênio, e abriu as portas para permitir que a evolução ocorresse.

Hoje em dia, após “algum tempo” de evolução, a única razão pela qual podemos sobreviver com o oxigênio é devido a nossas mitocôndrias. E essas pequenas organelas energizam tudo o que você faz, de ler livros a cantar uma música e até mesmo a ser um campeão olímpico no triathlon.

Resumidamente, as mitocôndrias aproveitam o poder do oxigênio para transformar os alimentos que consumimos em energia.

Um recurso variável

A mitocôndria não é apenas uma única coisa para todo o corpo. Se pegar as mitocôndrias de dois diferentes tipos de células, por exemplo, o fígado com a do coração ou da pele com o do cérebro, cerca de metade das proteínas em cada uma delas será a mesma, mas a outra metade serão diferentes.

E todos esses livros de biologia que possuem uma ilustração de uma célula que mostram uma ou duas mitocôndrias in situ não mostram toda a visão – podem existir centenas de mitocôndrias em uma única célula. Contudo, o número delas pode variar grandemente de um tipo celular para outro. Por exemplo, células vermelhas não possuem mitocôndrias, enquanto as células musculares cardíacas possuem mais de 5000 dessas pequenas estruturas. O número depende da função celular.

Além disso, como as mitocôndrias se dividem e se fundem constantemente, é muito difícil contar o número delas a qualquer momento. Portanto, cientistas usualmente contam o número de cópias do DNA mitocondrial que eles encontram na célula. Como um exemplo podemos citar os óvulos não fertilizados, os ovócitos, que contém o maior número de DNA mitocondrial, com um pouco mais de meio milhão de cópias.

Já nas células musculares – de acordo com o Dr. Brian Glancy – investigador independente do Instituto Nacional de Saúde em Bethesda, Maryland – a mitocôndria não assume aquele formato clássico de um “feijão” que aparece na maioria das ilustrações. Em vez disso, eles formam redes, ou retículos, que são estruturas alongadas e ramificadas que funcionam paralelamente ou perpendicularmente ao aparelho contrátil dos músculos. Essas redes mitocondriais podem ser comparadas às vastas redes de vasos sanguíneos e nervos que correm por todo o corpo, mas em uma escala nano, dentro de cada célula.

O laboratório do Dr. Glancy está pesquisando em como as células musculares constroem essas redes mitocondriais e as diferentes configurações que elas adotam. A ideia principal que estão observando é em como as mitocôndrias são configuradas de maneira ideal dentro de uma célula muscular para apoiar a contração ou afetar o desempenho muscular. É tudo parte de uma complicada dança bioquímica.

Mitocôndrias não podem operar sozinhas, elas precisam extrair os componentes de que precisam para criar ATP a partir de fontes de combustível disponíveis na circulação sanguínea e célula, e então, enviar o ATP para outras partes da célula para que seja utilizado. Logo, onde as mitocôndrias estão em relação a outras partes da célula, tem um grande impacto em como as mitocôndrias funcionam. É um sistema integrado no qual elas estão operando como uma peça fundamental.

Mitocôndrias e exercícios

O número de mitocôndrias que existem em suas células também podem variar dependendo dos estressores que você enfrenta e de outros fatores ambientais. Dr. David Hood – diretor do Centro de Pesquisa de Saúde Muscular, na universidade de York em Toronto, Canadá – é um especialista em biologia molecular da mitocôndria e em como elas se adaptam ao exercício. Ele passou sua carreira estudando como o número de mitocôndrias nas células aumentam, um processo chamado biogênese. Ele também tem investigado sobre o tempo de vida da mitocôndria – em como elas se degradam e em como novas mitocôndrias substituem aquelas que não estão mais funcionando adequadamente. Esse processo de renovação, do pool de mitocôndrias dentro do músculo, é auxiliado pelo exercício físico.

Hood diz que suas pesquisas apontam que o tipo de treinamento que atletas de endurance executam por anos, ajuda a manter uma boa saúde das mitocôndrias, expandindo a rede mitocondrial na musculatura para fornecer mais energia.

Uma única sessão de treino pode vir a iniciar o processo de ativação de genes que utilizam proteínas, que serão – ultimamente – convertidas em outras proteínas que se agrupam em mitocôndrias. Ao longo de três a quatro semanas de treinos consistentes a pessoa pode começar a ter aumentos significativos na quantidade de mitocôndrias em suas células. Mas os treinos devem ser executados com intensidade, duração e frequências apropriados para que isto ocorra.

Ao mesmo tempo, o exercício provoca a quebra e eliminação de fragmentos de mitocôndrias que não estão mais produzindo ATP suficiente ou estão gerando mais radicais livres do que devem (estes danosos para nós. Esse processo é chamado de mitofagia, ou autofagia das mitocôndrias, e é uma forma de reciclagem celular que digere organelas danificadas e ressintetiza as proteínas em novas mitocôndrias. Em outras palavras, o exercício ajuda a construir a rede mitocondrial, mas também ajuda a limpar as organelas menos funcionais que já cumpriram o seu trabalho.

A atividade física ajuda a rejuvenescer o pool mitocondrial em uma musculatura mais antiga para ajudar a preservar o conteúdo mitocondrial, preservar o fornecimento de energia e ajudar a eliminar as organelas de baixa qualidade existentes no músculo.

Tão rapidamente quanto o exercício ajuda a aumentar suas mitocôndrias, o descanso total irá fazer com que haja uma redução das mesmas. De acordo com o dr. Hood, se o atleta aumentar o nível de mitocôndrias nas células e depois parar de treinar, em cerca de duas semanas, o conteúdo mitocondrial voltará ao que estava. Por causa disso, o conteúdo mitocondrial é descrito como “lábil”, ou facilmente alterado. É preciso continuar a manter um nível de atividade física para manter o nível de mitocôndrias constantes em seus músculos.

O guia do atleta para aumentar a produção mitocondrial

Se está procurando sobre a melhor forma de melhorar as funções mitocondriais, treinar é a resposta mais simples. Mitocôndrias são altamente plásticas, isso significa que elas são bem receptivas à influências que o treinamento exerce. Elas se adaptam para ajudar o seu corpo a alcançar os desafios para o qual você está se preparando.

Os planos tradicionais de treinamento são os mais eficazes para a grande maioria dos atletas. O conceito de treinar de forma consistente com aumentos graduais de volumes de trabalho funcionam, pois isso ajuda os músculos a criar mais mitocôndrias para alimentar esse novo esforço.

Em anos mais recentes, o treinamento intervalado de alta intensidade (high intensity interval training – HIIT) decolou, e existem algumas evidências no qual esta é uma metodologia de treinamento eficaz para aumentar o número mitocondrial.

De acordo com o Dr. Hood, se você é um atleta de longas distâncias, a maior parte dos seu treino será do tipo lento e “leve”, mas se o atleta deseja que toda a musculatura crie adaptação ao treino, então deve, eventualmente, executar treinos de alta intensidade. Se o atleta manter o treino em 60% do seu VO2 máximo, digamos que 5 vezes na semana, você estará recrutando cerca de ⅔ da sua musculatura. O restante não se adaptará de forma alguma, pois não está utilizando essas fibras musculares durante o seu treino”.

Em outras palavras, embora haja valor nas sessões de treinos longos e leves, o atleta deve adicionar exercícios de alta intensidade dentro de seu plano de treino para desenvolver toda a capacidade de cada músculo envolvido na atividade. Você deve treinar ambas as fibras musculares, as chamadas de contração lenta, ou tipo I (endurance / resistência) e de contração rápida, ou tipo IIA e IIB (explosão / força).

Se você sempre treina uma determinada modalidade na mesma intensidade, aquelas fibras musculares certamente irão se adaptar. Contudo, quando você precisa recrutar o resto da musculatura, digamos que para finalizar ou disputar um trecho em específico com uma maior intensidade, você pode se encontrar com alguns problemas já que não fez muito desse tipo de treino.

Ter mais mitocôndrias em nossos músculos seria análogo a ter mais cilindros em um motor à combustão.

Dr. Robert Jacobs

Implicações mais amplas para atletas de endurance

Existe muito mais na mitocôndria do que apenas produzir energia para ajudar com nossos exercícios e movimentos. Elas são principalmente responsáveis pela manutenção da energia celular, mas também estão envolvidas na sinalização de cálcio, como também na apoptose, ou seja, a morte celular programada.

E devido a suas tarefas multifatoriais, existem implicações mais amplas nas pesquisas que estão sendo realizadas. O campo relacionado ao estudo das mitocôndrias está crescendo bem rápido em relação a outros aspectos da biologia celular.

Ter um melhor entendimento do funcionamento e papel da mitocôndria pode ter enormes implicações para a compreensão dos “comos” e “porquês” relacionados ao envelhecimento e doenças crônicas.

De acordo com o Dr. Hood, musculaturas mais envelhecidas vão perdendo a sua resistência e começam a atrofiar. Isso leva à fragilidades e fraquezas vistas em pessoas com a idade mais elevada. Enquanto o envelhecimento é um processo multifatorial, a disfunção mitocondrial contribui para a perda de massa muscular e baixa resistência à medida que envelhecemos.

Um entendimento mais profundo de como as mitocôndrias degradam e são substituídas podem abrir novas fronteiras na medicina, é importante tentar entender a mitocôndria como um todo. Algumas das assinaturas mais fortes do processo de envelhecimento são declínios no número e na função mitocondrial, diz o Dr. Vamsi Mootha.

Até agora, sabemos que a saúde mitocondrial pode ser melhorada com exercícios. Mas, no momento, a grande pergunta no campo do envelhecimento no que diz respeito à mitocôndria seria “causa ou consequência?”.

Se os cientistas puderem desvendar se as doenças crônicas causam o declínio da quantidade e qualidade mitocondrial, ou se um declínio nas mitocôndrias causa alguma doença crônica, isso poderia levar a novas terapias para uma ampla gama de doenças, desde diabetes e doenças cardíacas até câncer e insuficiência renal.

Em busca desse melhor entendimento, Dr. Brian Glancy, espera aprender como obter controle sobre a estrutura das redes mitocondriais, em termos de torná-las de tamanhos ou formas diferentes ou onde elas podem se acomodar na célula. Aprender o que é ótimo pode prover um conhecimento chave para resolver uma variedade de doenças mitocondriais raras. Através do entendimento de suas funções normais e das compensações de colocar mais ou menos mitocôndrias na célula, ou as colocar em diferentes locais, pode gerar impacto em várias doenças diferentes. Se tivermos um entendimento do que é normal, então quando algo der errado, estaremos melhor equipados para desvendar em como consertar as coisas.

Por fim, as mitocôndrias vão um pouco além de serem as casas de força que energizam nosso corpo, como também são atributos importantes em nossa saúde geral e bem-estar.


Fontes:

 

#endorfine-se

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