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Reabilitação da Tendinopatia do Aquiles

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  • tempo de leitura: ~31 minutos
Atleta efetuando treino de corrida em escadas após recuperação de tendinopatia do Aquiles

Esta é uma série de duas partes produzida pelo Dr. Aaron Horschig e Dr. Kevin Sonthana do Squat University, no qual eles abordam como acontecem as lesões no tendão de Aquiles e qual o procedimento para a reabilitação da tendinopatia de Aquiles que geralmente utilizam de acordo com a severidade da lesão.

  1. Como desenvolvemos lesão no tendão de Aquiles;
  2. Reabilitação da tendinopatia do Aquiles.
O que você encontrará nesta página:


A primeira parte do assunto introduziu um modelo simples para entender melhor como o processo de lesão começa e como progride. Desta vez iremos mudar o foco para como tratar o problema.

Passo 1: Um ato de equilíbrio

Como agora você sabe, tendões entram no primeiro estágio – o “reativo” da lesão e dor – através de um simples mecanismo: sobrecarga. A dor que você está experimentando começa devido a colocar muita carga no seu tendão de Aquiles, e com isso superar o seu atual nível de “tolerância à carga”. Essa sobrecarga pode ocorrer devido a um treino em específico (como 200 box jumps no meio do seu treino de CrossFit) ou pode ser devido a um acúmulo de várias sessões de treino (como um jogador de basquete que normalmente treina de 2-3x na semana passar a treinar 2-3x ao dia durante 7 dias de um acampamento de treino). Independente da exata causa, o primeiro passo para diminuir os sintomas é voltar atrás para entender o que causou a for em primeiro lugar.

indicador do nível de tolerância a carga do tendão de Aquiles, conforme volume e intensidade de treinos
Nível de tolerância à carga do Tendão Aquiles

Agora, o que a maioria das pessoas pensa quando se fala em “descansar” é sobre tirar semanas afastado dos treinos, sentado no sofá e maratonando aquele seu seriado preferido. Na verdade, descanso total geralmente é o primeiro conselho que a maioria dos médicos dão aos seus pacientes que estão reclamando de alguma dor. Contudo, isso seria a última coisa a ser feita. Você nunca deve querer um descanso completo para o tendão!

A força dos seus tendões segue um único lema: “se você não usa, você perde”. Se você tirar toda a carga e apenas descansar por algumas semanas, você só está se preparando para que a dor volte eventualmente! Como mencionado anteriormente, a lesão ocorre quando o treino avança sobre o atual nível de “tolerância à carga”. Se descansar completamente por algumas semanas, o seu corpo se adaptará, e o nível de tolerância do seu tendão será menor (já que existe uma carga mínima sendo colocada sobre ele), fazendo que com que fique mais fácil com que ele seja sobrecarregado assim que retornar aos treinos.

Por outro lado, se você continuar treinando com dor e colocar carga em um tendão dolorido e lesionado, a lesão só irá piorar e eventualmente mudanças estruturais irão tomar conta dos tecidos. Gestão de cargas é o fator mais importante na recuperação de um tendão lesionado. É um ato de equilíbrio difícil e uma das razões pela qual tantas pessoas desenvolvem lesões crônicas no tendão.

Comece fazendo uma lista de movimentos, volume e intensidades dos exercícios que agravam os seus sintomas. Faça uma lista separada de exercícios que você consegue tolerar bem sem sentir dor (enquanto executa o exercício ou sem dor no dia seguinte). Saber exatamente o que causa os sintomas irá capacitá-lo a fazer os ajustes certos para que o processo de recuperação ocorra.

Movimentos que criam uma alta carga e usam o tendão como mola (como saltos ou corridas explosivas) aumentam a sinalização celular e podem criar uma resposta exagerada que desencadeia a dor que é sentida pela pessoa. Portanto, se pular corda, correr em subidas ou fazer saltos altos criam os sintomas (exercícios da primeira lista), iremos tirar esses exercícios do treino por um tempo e iremos substituir por exercícios com menor carga e que sejam mais amigáveis ao tendão, aqueles que estão na sua segunda lista. Tenha certeza de analisar bem a amplitude, volume e/ou intensidade do exercício que possa executar sem que sinta dor. Alguns exercícios quando feitos com uma maior amplitude (como o agachamento profundo) pode provocar dor, pois a posição da canela – inclinada mais a frente – pode aumentar a carga no tendão. Aos poucos esses exercícios serão reintroduzidos, conforme os seus tendões vão se curando e adaptando a uma maior tolerância à carga.

Para os poucos atletas de elite que estão no meio da preparação para um evento importante e não têm o desejo de dar um passo atrás no treinamento para resolver a lesão, esses devem fazer mudanças no programa de treino (juntamente com a adição de alguns dos exercícios que serão discutidos a seguir). A dor que você está sentindo é o seu tendão dizendo que ele não está mais tolerando as cargas que você está colocando nele. A dor está ali por uma razão, escute!

Nesses casos, tente mudar uma variável no programa de treino e veja como o tendão responde. Por exemplo, se você está treinando sete dias na semana, diminua a frequência para – por exemplo – 6 dias. Se você não pode abrir mão de um dia de treino, então deve fazer mudanças na intensidade ou no volume total de seu treinamento. Independente de qual variável você vai escolher, apenas mude um fator por vez, e veja como o seu corpo vai responder (não é uma regra de ouro, cada um pode ter uma resposta diferente e se dar melhor com a mudança de uma variável em específico).

Você deve se alongar?

Independente do que você aprendeu em outro lugar, nós não queremos alongar um tendão de Aquiles lesionado! Não importa qual a forma de tendinopatia você pode estar experimentando, alongar não deve ser parte do seu programa de reabilitação da tendinopatia de Aquiles.

Atletas alongando o tendão de Aquiles, agachado e em pé
Alogando o tendão de Aquiles, agachado e em pé

Como mencionado na primeira parte desta postagem, a tendinopatia de Aquiles insercional ocorre devido a altos níveis de carga comprimindo o tendão contra o osso calcâneo. Alongar o seu músculo da panturrilha apenas adicionará mais compressão (e levar mais dor) a uma área já lesionada.

O objetivo da reabilitação para alguém com o peritendão lesionado é inicialmente limitar o movimento excessivo do tornozelo (consequentemente limitando o atrito do tendão contra o peritendão). Alongar levará a criar mais movimento, e portanto, um potencial para mais fricção.

Enquanto existam menos motivos de preocupação para aqueles lidando com uma tendinopatia do tendão médio, pesquisas não mostraram quaisquer benefícios de alongar o local. Esse é um motivo pelo qual aquelas talas de alongamento não serem um tratamento eficaz para a tendinopatia. Essas talas geralmente são prescritas para uso noturno, mantendo um alongamento constante da área enquanto você dorme.

Em vez disso, caso possua uma mobilidade limitada do tornozelo, poderá realizar com segurança a mobilização dos tecidos moles dos músculos da panturrilha com um rolo ou bastão de massagem. Foi demonstrado em pesquisas que o rolo de massagem (foam rolling) melhorou a mobilidade do tornozelo sem colocar uma carga compressiva nociva no tendão.

Pessoa vestida de preto, fazendo o uso do foam rolling na panturrilha
Foam Rolling Panturrilha

Para aqueles com uma mobilidade limitada do tornozelo devido a uma restrição da articulação (como detectado no teste de 5 polegadas da parede no final da primeira parte), mobilização das articulações com bandas elásticas podem ser realizada com segurança com qualquer forma de tendinopatia de Aquiles.

Com o seu pé firmemente apoiado, mova o seu joelho para frente dos seus dedos dos pés e segure por alguns segundos, então retorne para a posição inicial. A puxada da banda (para trás e baixo) contra o tálus enquanto o joelho vai para a frente ajudará a restaurar o movimento natural da articulação do tornozelo. Realize 20 repetições antes de verificar novamente a sua mobilidade para garantir que você foi eficiente em executar alguma alteração na mobilidade da área.

Trabalhando a mobilidade do tornozelo utilizando bandas elásticas
Mobilidade tornozelo com banda elástica

Adicionando um calço para o calcanhar

O calço para o calcanhar colocado em seu calçado pode ser de extrema utilidade para certos tipos de tendinopatia do Aquiles. Por exemplo, adicionar um calço de 3-4cm de altura irá colocar o pé em um pequeno grau de flexão plantar e diminuir a compressão do tendão contra o calcâneo. Isso pode tirar um nível lesivo de compressão para aqueles lidando com tendinopatia insercional.

Visualização da flexão plantar causada por um calço a ser colocado dentro do tênis
Pé sem e com o apoio do calço

O calcanhar elevado também pode ser útil para aqueles que estão lidando com lesão no peritendão. Adicionar o calço irá diminuir a quantidade de movimento do tornozelo em dorsiflexão durante a atividade física. Devido a lesão ser geralmente causada pelo excesso de movimento, limitar esse movimento pode ajudar a reduzir os sintomas que você pode estar experimentando.

Até existe alguma evidência que sugere que o calço pode ajudar aqueles que estão lidando com dor na região do tendão médio. Uma forma menos comum de tendinopatia pode ocorrer quando o músculo plantar (um pequeno músculo cujo tendão passa perto do tendão de Aquiles) enrijece e adiciona um cisalhamento excessivo ou adiciona uma sobrecarga que comprime o Aquiles. Por esta razão, adicionar um calço pode – potencialmente – diminuir a compressão, e assim a dor.

Enquanto o calço para o calcanhar pode ser bem útil para alguns, uma inserção ortopédica não é. Pesquisas demonstraram que inserções que tem o objetivo de ajudar a prevenir a pronação do pé não são efetivas em reduzir os sintomas e melhorar a função para aqueles com tendinopatia do Aquiles.

Tratamentos “Passivos”

Não é raro encontrar pacientes que falharam ao ser tratados por profissionais da área de reabilitação – em especial aqueles submetidos a algum tipo de tratamento passivo. Para deixar claro, tratamento “passivo” se refere a alguma coisa que é feita em você, enquanto tratamento “ativo” é alguma coisa no qual você participa. Exemplos de tratamento passivo incluem: gelo, eletroterapia, acupuntura, iontoforese, ultrassom e técnicas de raspagem utilizando ferramentas de metal, plástico bem duro ou osso.

Pessoa realizando tratamentos passivos no tendão de Aquiles do paciente
Realização de tratamentos passivos no tendão de Aquiles do paciente

Muitos profissionais de reabilitação irão utilizar de forma incorreta o uso de técnicas de raspagem (também chamada de mobilização de tecidos moles assistida por instrumentos, ou IASTM – instrument-assisted soft tissue mobilization) no tendões doloridos com a ideia de estimular o crescimento do colágeno e trazer mais vascularização (fluxo sanguíneo) para a área em ordem de promover a cura. A primeira ideia (estimular o crescimento de colágeno) não se provou verdadeira em um tendão em estado de degeneração, e a segunda ideia (mais vascularização) é contra-intuitiva, já que a maioria dos tendões lesionados já desenvolveu mais vasos sanguíneos.

A única forma de utilizar esta técnica apropriadamente e proporcionar benefícios é quando ela é aplicada ao tendão com o objetivo de diminuir a dor no curto-prazo. Contudo, essa mudança no sintomas se dará apenas na mudança de como os nervos ao redor do tendão estão funcionando (chamado de neuropraxia), pois haverá pouca mudança física nos tecidos do tendão de Aquiles. Executar essas técnicas em um tendão já em estado reativo, irá trazer mais malefícios do que benefícios aumentando o atual nível de irritação da área. Se você quiser usar o IASTM, ele deverá ser direcionado às panturrilhas e não ao tendão em si.

Tratamento passivo - Uso do IASTM na panturrilha
Tratamento passivo – Uso do IASTM na panturrilha

Passo 2: O plano de reabilitação

O exercício é o melhor tratamento para qualquer tipo de dor no tendão, ponto! Se você visitou um doutor ou outro tipo de profissional de saúde que recomendou injeções ou outro tratamento “passivo”, como eletroterapia ou técnicas de raspagem como tratamento principal, você foi na pessoa errada. Enquanto esses tratamentos podem diminuir a dor no curto-prazo, eles não irão ajudar no longo-prazo, já que eles não abordam por que seu tendão foi lesionado em primeiro lugar. Você deve fortalecer o tendão e melhorar a sua habilidade de tolerância à carga.

Não existe um programa de tratamento que funciona para todos os casos de tendinopatia de Aquiles. O programa deve ser criado baseado em como a dor se apresenta, seu histórico de lesões, histórico de treinos e objetivos.

Fase 1: Isométricos

O primeiro passo do programa de reabilitação para, praticamente, qualquer tendão lesionado, começa com isometria. Um isométrico é um exercício onde o músculo contrai, mas a articulação do músculo, ou os músculos que se cruzam, não se movem (não existe variação no comprimento da fibra muscular).

Logo no início de um estado de tendão bem “reativo”, pode ser difícil adicionar carga na área com um programa de fortalecimento padrão devido à dor. Isométricos podem ser uma ótima intervenção, já que o seu principal objetivo é diminuir a dor!

O corpo geralmente responde à dor inibindo a produção neural (chamada inibição cortical). Pense nisso da seguinte forma. Se cada vez que você executar um salto o seu corpo sente dor, o seu cérebro eventualmente diz: “pare com isso!”. É por esse motivo que alguém que está lidando com dores nos tendões por um longo tempo acabará tendo uma queda em seu desempenho. E foi demonstrado que o uso de exercícios isométricos pesados mudam isso.

Pesquisas mostram que isométricos têm o potencial de diminuir a dor no tendão por cerca de 45 minutos após o exercício e podem melhorar a força da pessoa posteriormente, através da diminuição da inibição cortical. Isométricos permitem que você expresse a sua força acessando unidades motoras que antes estavam “desligadas” devido à dor. Esses benefícios (menor dor e diminuição da inibição) só surgem com exercícios isométricos pesados e longos em duração (cerca de 45 segundos) e que não foram encontrados com o treino “padrão” de musculação.

A isometria deve ser realizada relativamente sem dor. Enquanto você pode sentir um pouco de dor no início, ela deve ir diminuindo significantemente na terceira ou quarta repetição. Para o tendão de Aquiles, a isometria será uma elevação parcial de calcanhar realizada em pé. Nesta posição você ativa ambas as musculaturas da panturrilha (gastrocnêmio e sóleo) e coloca a maior parte da carga no tendão. Executar o exercício sentado, com os joelhos dobrados diminui a participação do gastrocnêmio mais longo (o que cruza o tornozelo e a articulação do joelho) e, portanto, diminui a tensão necessária no tendão para receber os benefícios que a isometria poderia proporcionar.

A forma como a isometria da elevação do calcanhar em pé é executada irá variar de pessoa para pessoa dependendo do atual nível de força. Por exemplo, a forma mais simples de um isométrico para o tendão de Aquiles seria a elevação de calcanhar com ambos os pés e sem carga extra. Se isso fica muito fácil, execute o mesmo movimento, mas segurando um peso em uma das mãos. Para atletas mais fortes, o movimento unilateral seria mais adequado. Tente cada uma das variações e encontre aquela que permite executar – com certa dificuldade – 5 sets de 45 segundos de isometria. Inicialmente você deverá executar esses exercícios de 2-3 vezes ao dia, com um descanso máximo de 2 minutos entre cada set.

Atleta executando 4 diferentes formas de elevação de calcanhar
Isometria – Elevação de calcanhar em diversas formas

Para cada um desses exercícios ser eficaz, eles precisam ser executados com um certo nível de dificuldade. É neste ponto que a maioria falha. Pesquisas mostram que você deve encontrar uma carga que contraia ao menos 70% da capacidade máxima muscular. Enquanto não existe uma forma de encontrar esse ponto sozinho, você pode estimar isso encontrando a intensidade e carga combinadas, que fazem a isometria difícil de ser mantida por 45 segundos. Se você terminar essa elevação de 45s (independente se normal ou unilateral) e pensar, “eu poderia fazer mais 30 segundos disso”… então não teve carga o suficiente sob o tendão. Pegue um peso e tente novamente!

Isométricos podem ser utilizados para cada um dos tipos de tendinopatia do Aquiles, incluindo a lesão no peritendão. Enquanto adicionar um calço ao seu tênis pode ajudar em um primeiro momento em lidar com a dor, nós ainda precisamos colocar alguma carga na musculatura e tendões lesionados durante o processo de recuperação. Se você apenas descansar o peritendão lesionado, você diminuirá a capacidade de “tolerância à carga” do tendão e arriscará o surgimento de uma tendinopatia insercional ou na região média do tendão assim que retornar aos seus treinos normais.

Isometria é apenas o pontapé inicial do plano de reabilitação da tendinopatia do Aquiles. Enquanto ele te ajudará a se sentir melhor, diminuindo a sua dor e aumentando a sua força, não é a única coisa que você deve fazer. Além disso, é recomendado usar isométricos por uma ou duas semanas no máximo e eventualmente teremos de mudar para a próxima fase do plano de reabilitação.

Fase 2: Fortalecimento com Isotônicos

O objetivo de qualquer plano de reabilitação de tendinopatia é aumentar a capacidade de carga do tendão. Não importa se foi a sua primeira lesão “reativa” ou uma “reativa no desgaste/degeneração”, eventualmente nós precisaremos deixar os exercícios isométricos e começar um programa de fortalecimento tradicional para ter sucesso.

A maioria dos exercícios que você vê sendo executados em uma academia passam por duas fases: excêntrica e concêntrica. A fase excêntrica é a porção “mais baixa” do movimento, onde as fibras musculares são alongadas sob tensão. Já a fase concêntrica, é exatamente o oposto, no qual as fibras musculares são encurtadas sob tensão. Se olharmos uma elevação de calcanhar executada de forma tradicional, os músculos gastrocnêmio e sóleo são encurtados conforme você fica na ponta dos pés (a fase concêntrica) e são alongados conforme você vai descendo (e indo além) da posição inicial, (a fase excêntrica).

Efetuando a elevação de calcanhar e demonstrando o movimento concêntrico e excêntrico
Elevação de Calcanhar – Movimento concêntrico e excêntrico

No pioneirismo das pesquisas relacionadas à tendinopatia, profissionais de reabilitação prescreviam exercícios excêntricos como parte integral do programa de reabilitação. Para o tendão de Aquiles, isso consistiria em executar uma elevação do calcanhar, onde você, com a perna não lesionada ajudaria a executar a fase concêntrica, no pico transferiria todo o peso para o lado lesionado, e em seguida – unilateralmente – abaixaria lentamente até a posição inicial na perna lesionada – apenas a fase excêntrica é executada de forma unilateral com a perna lesionada. A fase concêntrica não é executada exclusivamente com a perna lesionada, então para a próxima repetição o mesmo deveria ser executado, usando a perna boa para ajudar a elevação do calcanhar. Essa pesquisa inicial, no uso exclusivo da fase excêntrica no programa de reabilitação da tendinopatia de Aquiles mostrou bons resultados, já que vários foram capazes de retornar aos seus níveis de atividade pré-lesão.

Contudo, o nosso corpo se move usando ações musculares concêntricas e excêntricas. Focar o fortalecimento apenas em uma porção do movimento não o fortalece de uma forma que se transfira funcionalmente para as atividades que realizamos ao longo do dia e em nossos treinos. A musculatura não executa apenas movimentos excêntricos durante um sprint. Não é que focar no movimento excêntrico não funcione, mas qual o motivo de ignorar a outra metade do movimento?

No início dos anos 2000, pesquisas começaram a emergir no uso de treinos de resistência lentos e pesados (heavy slow resistance training – HRS) no processo de reabilitação de lesões dos tendões. HRS é descrito como um exercício tradicional executado de forma lenta, contudo utilizando ambas as contrações musculares, concêntrica e excêntrica (chamado de movimento isotônico). As pesquisas iniciais mostraram que esses exercícios executados com alta carga e de forma lenta foram tão efetivos como os exercícios com apenas o movimento excêntrico no processo de reabilitação da tendinopatia. São excelentes para construir tolerância à carga durante esta fase da reabilitação sem usar o tendão como uma “mola”, o que poderia causar uma sobrecarga das atuais capacidades do tecido e aumentar os sintomas. Conforme você começar a executar as atividades do dia-a-dia com um menor nível de dor (algo próxima de 3/10), é recomendado começar com os exercícios HRS.

Os exercícios devem ser executados para atingir ambas as musculaturas da panturrilha (gastrocnêmio e sóleo). Enquanto os exercícios isométricos são idealmente executados em uma posição em pé (com o objetivo de envolver ambas as musculaturas e colocar o máximo de carga – quanto possível – nos tendões), o treino de musculação deve ser executado tanto em pé como sentado, com o objetivo de atingir individualmente as musculaturas.

A elevação de calcanhar sentado é a forma mais comum de isolar a musculatura do sóleo, já que o grande gastrocnêmio é “deixado de lado” com os joelhos dobrados. Em ordem de atingir suficientemente a musculatura do sóleo com carga o suficiente na musculatura e tendões, um peso deve ser colocado em cima de suas pernas durante a execução da elevação do calcanhar sentado. Colocar uma anilha, kettlebell ou halter por cima do seu fêmur não será o suficiente, já que a maioria da carga será distribuída por toda a sua perna. Em vez disso, coloque o peso diretamente em cima de sua canela (tíbia).

Executando uma elevação de calcanhar sentado, com peso em ambas as pernas e de forma unilateral
Elevação de calcanhar sentado – com anilha sob as pernas e unilateral

A forma como você irá utilizar a carga no exercício irá variar de pessoa para pessoa. Comece com um bom peso sob os seus joelhos. Se o peso que escolheu não é o suficiente para causar fadiga muscular desejada após a execução de 4 séries de 10 repetições, você precisará aumentar o peso, uma barra sob os seus joelhos pode ser mais útil nesse caso.

Atleta executando elevação de calcanhar unilateral com kettlebell e com barra com peso
Elevação de calcanhar sentado – unilateral com kettlebell e com barra com peso

Para atingir a musculatura do gastrocnêmio, execute uma elevação de calcanhar em pé, enquanto está segurando um peso. A elevação com as duas pernas, logo ficará fácil de ser executada, então mude para a forma unilateral. Lembre-se de executar ambos os exercícios (sentado e em pé) com um movimento bem lento (3 segundos de excêntrica e 3 segundos de concêntrica são o suficiente) e com o máximo de peso que você consegue lidar enquanto mantém uma boa técnica.

Atleta executando elevação de calcanhar unilateral em pé
Elevação de calcanhar em pé, unilateral com peso

Em ordem de realmente obter os benefícios dos exercícios HRS, você DEVE executá-los de forma bem lenta e pesada! Parece simples o suficiente, certo?

A parte “lenta” do HSR se refere ao ritmo (também chamado de tempo) no qual o exercício é executado. Idealmente, você deve levar 3 segundos durante a excêntrica e 3 segundos durante a fase concêntrica (logo, cada repetição dura 6 segundos para ser executada). A parte “pesada” do HSR se refere a intensidade do exercício, ou o quanto de peso é utilizado. Este é um fator no qual a maioria dos profissionais de reabilitação infelizmente ficam com receio, pois têm medo de carregar o tendão lesionado! Não fique com medo! Lembre-se, até mesmo um tendão degenerado possui mais tecido “sadio” do que um tendão normal.

Quando você estiver começando a fase do HSR no plano de reabilitação, comece com 4 séries de 15 repetições a “cada outro dia” (no caso um dia de treino e um dia sem treino com pesos), e nos outros dias, continue fazendo os isométricos da fase 1. Antes de começar a fazer os exercícios do HSR, faça os isométricos, já que os benefícios da inibição cortical que vem da isometria permitirá que mais unidades motoras sejam acessadas, e portanto, um maior estímulo de força.

O peso que você escolher para o exercício deve ser algo que você consiga controlar com boa técnica em cada repetição, e pesado o suficiente para que ao completar as 4 séries você esteja cansado o suficiente para não executar um 5º set. Se ao completar os 4 sets você sentir que ainda tem energia para mais séries, adicione mais peso! É raro ter muita dor com os exercícios HSR se você os está executando de forma lenta o suficiente (se está sentindo dores, então pode ser que não esteja sofrendo de uma tendinopatia verdadeira, e você deve rever a seção de diagnóstico da primeira parte desta postagem).

Pesquisas no uso do HSR para a tendinopatia têm recomendado executar esses exercícios de fortalecimento com 4 séries de 15 repetições por 1 semana antes de aumentar o peso e diminuir o volume para 4 séries de 12 repetições pelas próximas 2 semanas. Eventualmente progredir para 4×10, 4×8, 4×6 (cada um por 2-3 semanas).

Junto ao uso do HSR para o fortalecimento do complexo músculo/tendão, também precisaremos aumentar a habilidade do tendão em absorver e armazenar carga. A maior parte da carga que é colocada no tendão de Aquiles ocorre quando o usamos como uma mola, utilizando o que é chamado de ciclo de alongamento-encurtamento.

Movimentos fortes e explosivos (como correr ou saltos repetitivos) usam o tendão para armazenar e então liberar energia, em ordem de gerar uma grande quantidade de energia. Exercícios que dão ênfase no armazenamento de cargas (como pular de um local alto e aterrissar) são, portanto, uma ponte para eventualmente retornar às capacidades totais de armazenamento e liberação de energia do tendão.

Fique em cima de uma pequena caixa, de 15-20cm de altura. Dê um passo para fora e pouse no solo com os dois pés, em uma posição parecida com a de um pequeno agachamento. Não pouse com as articulações rígidas, ao invés disso, tenha certeza de usá-las para absorver a força do impacto. Faça 2 séries de 20 aterrissagens para começar, antes de progredir de acordo com a forma como o seu corpo responde a caixas cada vez mais altas, e eventualmente a uma aterrissagem com apenas uma perna.

Atleta executando aterrisagem após sair de cima de local elevado
Execução de aterrisagem

Fase 3: Pliométricos

Para começar os pliométricos (onde os tendões são usados como molas para armazenar e liberar energia) precisamos primeiro ver profundas mudanças na força da musculatura. A força da perna lesionada precisa estar próxima das capacidades da extremidade não lesionada. Aqueles que estão sentindo dor crônica no tendão de Aquiles podem ter percebido diferenças no tamanho da musculatura (atrofia da panturrilha na perna lesionada), contudo, as mudanças no tamanho muscular levarão muito mais tempo comparado à força dos mesmos e não será o melhor preditor para quando retornar aos treinos pliométricos.

Uma boa forma de avaliar o nível de força é executar o mesmo protocolo de teste da primeira parte. Execute 20 elevações de calcanhar seguidas de 20 elevações unilaterais. Observe e sinta como foi realizar o movimento em cada perna. É o mesmo? houve dor?

Em seguida, execute um movimento rápido e explosivo de um pequeno salto unilateral para cada perna. Originalmente este movimento deve ter sido difícil e doloroso de ser executado com a perna lesionada. Se você estiver pronto para passar para a fase de pliometria da reabilitação, então é necessário demonstrar uma boa qualidade de controle do seu corpo sem que alguma dor surja durante movimentos lentos (como uma elevação de calcanhar unilateral) e durante um movimento funcional de maior carga, como um pequeno salto.

Atleta executando pequenos saltos unilaterais
Pliometria – Execução de salto unilateral

O objetivo desta fase da reabilitação é começar a usar, novamente, o tendão como uma mola e ver como ele responde. Um exemplo inicial de pliometria seriam “os saltinhos” (double leg pogo jump). Execute de forma repetitiva pequenos saltos, apenas a alguns centímetros do solo (como em um pequeno pula-pula). Comece com 30-50 repetições seguidas antes de descansar por alguns minutos, faça de 3 a 4 séries. Se você consegue efetuar os saltinhos sem qualquer tipo de dor, tente uma corrida bem leve (com no máximo 1 minuto de duração).

Atleta executando saltinhos, também chamado de pogo jump
Pliometria – Execução de “saltinhos”

Perceba em como o seu tendão responde aos treinos (e com a intensidade e volume utilizados) durante as próximas 24 horas. Se você se sente bem e não aumentou qualquer nível de dor ou qualquer rigidez no tendão no próximo dia, aumente o volume de treino na próxima sessão. Pela primeira semana, vá aumentando o volume adicionando mais saltos por sets ou correndo por mais tempo, para ir melhorando a capacidade dos seus tendões.

Registrar cada aspecto do seu programa de pliometria irá permitir com que progrida e construa essa capacidade da forma mais eficiente o possível. Por exemplo, atleta A e atleta B executam 3 séries de 30 saltinhos, e 3 séries de 1 minuto de corrida leve no primeiro dia. O atleta A acordou muito bem no próximo dia, assim ele foi permitido progredir para 3 sets de 50 saltinhos na próxima sessão de treino. Já o atleta B amanheceu com uma leve dor no tendão de Aquiles. Por esta razão, o plano do atleta B precisará ser modificado no próximo treino com pliométricos (ou diminuindo o volume dos saltos ou da corrida).

Tenha certeza de manipular apenas uma variável em cada sessão de treino (seja adicionando ou removendo volume ou intensidade). Se você muda muitas variáveis de uma vez, não será capaz de ir atrás em suas novas e ver qual foi a modificação (volume ou intensidade) que fez com que o tendão ficasse sobrecarregado.

Comece com 2 a 3 sessões por semana desses pliométricos mais leves (uma sessão a cada 3 dias). Neste ponto da reabilitação, o tendão não pode lidar com pliométricos todos os dias sem ficar irritado. Por esta razão, estruture a sua semana de treino misturando os dias de HSR entre as sessões de pliometria. Se o seu tendão continuar respondendo bem ao aumento da carga dos pliométricos a cada 3 dias, você pode continuar a adicionar mais volume ou começar a aumentar a intensidade.

Eventualmente você será capaz de progredir para exercícios de pliometria de níveis intermediários, como: agachamento com saltos, pular corda, e saltos em distância. Se você é um corredor (ou precisa correr no esporte que pratica) adicionar exercícios de acelerações e desacelerações junto com mudanças de direções podem ser boas opções.

Depois de algumas semanas progredindo esses exercícios, você pode mover para pliométricos de níveis mais avançados incluindo: saltinhos unilaterais, pular corda com salto duplo, tiros de corrida com exercícios de agilidade e corridas mais longas. Para qualquer um que pratique levantamentos olímpicos (clean&jerk e snatch), é recomendado esperar até esta fase para reintegrar esses exercícios, já que possuem uma natureza explosiva de movimentos, além de uma intensidade mais elevada, e pode ser muito para o tendão lidar de uma só vez.

Eventualmente você poderá começar a manipular a frequência dos treinos de pliometria, executando os mesmos a cada 2 dias, em vez de 3. E assim como antes, continue vendo como o tendão responde ao executar os ajustes. Não existe uma receita pronta para todos e em como o progresso da fase de pliometria será. Todos responderão de uma forma diferente e é necessário encontrar o que funciona melhor para cada corpo. Seja paciente, já que o processo pode demorar de semanas a meses.

Considerações Finais

O processo de reabilitação de um tendão lesionado pode ser resumido em uma simples sentença: “Errar por excesso de cautela”. Se você está lendo isto é devido a querer encontrar a forma mais eficiente e rápida para resolver a dor e retornar às atividades que tanto ama. Leve este processo de forma lenta e tenha paciência. Dependendo da severidade da lesão em seu tendão, o processo pode levar meses.

Que esta série de postagens possa dar um melhor entendimento da complexidade do processo de reabilitação da tendinopatia do Aquiles. Se em qualquer momento você sentir que não está progredindo bem ao executar todo este processo, é extremamente recomendado contactar um profissional de reabilitação para que o ajude pessoalmente a lidar com todo o processo de recuperação.


Fontes:

 

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