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Desidratação e Performance

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Ciclista bebendo água para evitar desidratação durante um treino pela manhã.

Conselhos sobre hidratação durante o exercício podem ser bem confusos, nas últimas décadas houveram diversas recomendações, de se hidratar conforme a sede à hidratação prescrita. Além disso, as evidências sobre o impacto da desidratação na performance muitas vezes são conflitantes.

Basicamente existem duas “escolas”. Uma que diz que a desidratação gera uma queda de performance durante o exercício físico. E outra escola que diz que desidratação não importa tanto na performance, que existem ganhadores de maratonas que terminaram a prova, e que estavam bem desidratados.

O que você encontrará nesta página:


Como é que desidratamos?

Quando nos exercitamos perdemos fluídos de 2 formas diferentes: primeiro através da umidade perdida durante o processo de respiração, e segundo através do suor.

Conforme nosso corpo vai perdendo fluídos, vai havendo uma redução no volume plasmático. Isso faz com que nosso sangue fique mais grosso e viscoso, fazendo com que a pressão venosa central diminua e reduza a quantidade de sangue que retorna para o coração, durante o pico de intensidade do esforço.

Essas mudanças diminuem a quantidade de sangue entrando no coração durante a diástole, a fase do ciclo cardíaco no qual o coração relaxa e se enche de sangue. E menos sangue entrando no coração durante a diástole, fará com que menos sangue deixe o coração durante a sístole – fase de contração – consequentemente diminuindo o fluxo sanguíneo.

Tudo isso fará com que o coração precise trabalhar mais. Aumentando a taxa cardíaca para que o fluxo sanguíneo aumente para que o corpo seja devidamente oxigenado.

Controle de Temperatura

A água mantém o volume plasmático, regula a temperatura do corpo e está envolvida no processo de contração muscular. A transpiração é regulada pelo sistema nervoso autônomo e controlada inconscientemente pelo hipotálamo, sendo a sudorese a principal forma de manutenção da temperatura do corpo.

O exercício físico faz a temperatura de nosso corpo aumentar. Nosso corpo então regula a temperatura através do processo de vasodilatação cutânea, onde o sangue é enviado para as células da pele e o calor pode ser melhor removido. Isso ajuda com o efeito de resfriação da evaporação do suor.

Um aumento na temperatura corporal durante o estado de desidratação é acompanhado por uma maior resposta de amina aromática, possivelmente levando a um aumento na taxa de quebra de glicogênio muscular. Esse aumento pode contribuir para uma maior fadiga nos músculos utilizados, pois a quebra do glicogênio muscular durante a atividade física leva a um aumento intracelular de ácidos. Principalmente o do ácido lático (nos sistemas energéticos vimos como o corpo lida com o ácido lático).

Os sintomas do estresse pelo calor incluem: taquicardia, hipertensão, hiperventilação, vômito, diarréia, convulsões e coma.

Dias úmidos e quentes também irão aumentar a temperatura do seu corpo, o que levará a uma maior taxa de sudorese, aumentando a quantidade de líquido perdido. É importante estar preparado para treinos longos em dias quentes. O que vestimos também gera um impacto na temperatura corporal, roupas longas e/ou mais grossas irão ter o mesmo efeito que dias quentes.

Resumindo

A desidratação leva à redução no volume de sangue, diminuição do fluxo sanguíneo na pele, diminuição da taxa de sudorese, diminuição na dissipação de calor, aumento da temperatura corporal, aumento da taxa de uso de glicogênio e aumento da fadiga muscular.

Abaixo serão apresentadas algumas abordagens relacionadas a hidratação durante o exercício físico, sejam treinos ou provas.

Beber até a tolerância

Foi uma das primeiras práticas, focada em minimizar a perda de fluído através do “beber o máximo possível”. Essa prática foi baseada em estudos mostrando uma correlação entre: perda de fluído, aumento na temperatura corporal e na queda da performance.

Ou seja, quando um sujeito desidrata até perder aproximadamente 2% do seu peso corporal ou mais (alguém com 60kg que desidrata 2%, perde cerca de 1,2kg) tem a sua performance reduzida – em alguns casos uma redução de até 20% na performance. Quanto mais o atleta ingere líquido, menos fluído perde, e supostamente se mantém a performance.

Parece simples, contudo beber muito pode levar a um estado de hiponatremia, que é uma condição no qual o nível de sódio na corrente sanguínea fica bem diluído causando diversos problemas, e em casos muito graves até a morte.

Hiponatremia

Hiponatremia é o resultado de possuir baixas quantidades de sódio no corpo devido a um consumo excessivo de fluídos. É um caso bem comum em atletas de longa distância.

Os iniciantes estão mais sujeitos a esta condição, pois demoram um tempo bem superior aos demais atletas para finalizar algum evento. E com isso consomem mais líquido sem repor o sódio adequadamente. Os sintomas muitas vezes são similares aos da desidratação:

  • Desorientação;
  • Confusão;
  • Dor de cabeça;
  • Fraqueza muscular
  • Náusea e Vômito.

Caso não sejam tratados ou os sinais sejam confundidos com a desidratação (que além de alguns desses sintomas também apresenta o sintoma da sede), o quadro pode evoluir para: convulsão, edema cerebral, edema pulmonar, coma, parada cardiorrespiratória e morte.

Desidratação não importa tanto, beba de acordo com a sede

Alguns estudos mais recentes sugerem que a desidratação não é algo que vá afetar a performance de forma tão grave, e inclusive é parte normal do processo de se exercitar. Levam em conta a individualidade do atleta.

E qual a forma mais simples de respeitar as diferenças entre os atletas? Diga a eles para beber apenas quando sentirem sede.

É algo razoável e descomplicado, em condições normais nosso corpo regula o estado de hidratação de forma bem adequada, conforme vamos perdendo fluídos, a sede surge como um “sintoma” para regulemos a quantidade de fluído no corpo. A sede aparece bem antes de um alto nível de desidratação.

Contudo, a atividade física pode vir a suprimir a sede, logo, até que a ela apareça, o atleta já pode estar em algum nível mais elevado de desidratação.

Alguns estudos que examinaram o impacto da desidratação na performance chegaram a conclusões de que uma redução de até 2,2% do peso corporal não estava associada com uma diminuição da performance. Além disso, beber o suficiente para satisfazer a sede resultou em vantagens em comparação a beber acima ou abaixo do nível de satisfação da sede.

Um dos casos mais famosos é o do Haile Gebrselassie, que durante o seu recorde na maratona de Berlin em 2007 crusou a linha de chegada com uma redução de 9,8% do seu peso corporal (5,7kg). Com essa marca do Haile existem algumas afirmações de que esta situação mostra que beber de acordo com a sede é um protocolo de hidratação viável para manter a performance.

Questionamentos

Ainda sobre o caso do Gebrselassie, mesmo com quase 10% de desidratação, ele consumiu uma quantidade de fluídos bem acima da média, foram 250ml de líquido a cada 5km (junto aos carbos, que também ficaram em um consumo acima do “padrão”), dando aproximadamente 1,1lt por hora. Foi uma ingestão bem programada e estratégica.

O argumento de que a “desidratação não importa” levanta alguns questionamentos:

  • A desidratação parece não importar tanto em eventos de curta e média duração, mas a partir de que ponto ela começa a importar?
  • Mesmo apresentando boas marcas em um estado de desidratação considerada alta, esses atletas poderiam ter se saído melhores se estivessem bem hidratados?
  • A grande parte da desidratação na verdade foi devido ao fato de terem iniciado a prova super-hidratados? Aqui considerando também que estavam com um estoque mais alto de glicogênio (e segurando mais água).

Hidratação Prescrita

Uma das práticas mais recentes, no qual mistura as duas práticas apresentadas anteriormente, tentando minimizar a perda de fluído enquanto dá uma atenção à hiponatremia.

Em um estudo de 2017, esta prática mostrou uma vantagem sobre o “beber de acordo com a sede” e o ganho foi dado com a hipótese de que havia uma “melhoria na termorregulação e melhor resposta à sudorese”.

O primeiro passo é fazer alguns testes em treinos, se pesar antes e depois de alguns treinos e determinar a necessidade de fluído para um determinado evento, com isso tentar manter a perda de fluído em algo próximo à 0,5%.

Contudo, tal método pode se tornar inviável pela sua impraticabilidade em cenários competitivos, além de variáveis que são difíceis de serem estimadas fora do laboratório (como até mesmo a perda de sódio).

Outro empecilho para esta abordagem, é que também há de se levar em conta que uma boa parte do líquido perdido não necessariamente virá do volume plasmático, e sim da água que está armazenada no músculo junto ao glicogênio muscular (já que para cada grama de glicogênio armazenado vão juntos 3g de água). Além do peso da gordura e glicogênio utilizados durante a atividade.

Conflito nas Pesquisas

Umas das possíveis razões de conflito sobre os estudos é que existem falhas na metodologia utilizada. Além disso, descartam variáveis externas que simulam as condições de um evento esportivo e que afetam a condição física e mental do atleta.

Como o vento, que ajuda a controlar a temperatura do corpo. Outro ponto é a utilização de sauna ou diuréticos para causar a desidratação, ao invés de utilizar a atividade física. Logo os efeitos da desidratação testados em um ambiente indoor são diferentes de um ambiente real.

Alguns outros estudos mostraram que não existiu diferença na performance entre ciclistas que desidrataram cerca de 0,5% com outros que perderam pouco mais de 3%. Ou seja, é possível performar bem mesmo em um estado de desidratação, contudo isso depende de pessoa para pessoa.

Já em outro estudo foi encontrado uma relação direta entre a desidratação e o aumento do cortisol, o que vem a gerar um impacto significativo no desenvolvimento muscular – que acaba gerando um impacto no quanto nosso corpo pode performar.

Durante um treino de resistência com 3 cenários: sujeitos hidratados, moderadamente desidratados (aproximadamente 2,5% do peso corporal) e bastante desidratados (5% do peso corporal). Após examinar o sangue dos atletas, pesquisadores encontraram moléculas diretamente correlacionadas ao crescimento muscular. Os que estavam em um estado de desidratação tiveram um aumento significativo do cortisol circulando no corpo. Isso fez com que níveis de testosterona liberados como resposta ao treino fossem reduzidos.

Orientações Práticas

Apesar de muitos estudos e pesquisas, sendo alguns bem contraditórios, é possível utilizar o que foi observado até agora para orientar o que se deve fazer na maioria dos casos, e assim evitarmos problemas.

O primeiro ponto que devemos levar em consideração é o quão bem treinado é o atleta. Quanto mais treinado, e melhor treinado, mais o indivíduo aguenta adversidades.

Inclusive pode-se até considerar a questão da individualidade. Pois a genética influencia no favorecimento daqueles que perdem menos sódio durante o processo de desidratação. Fazendo com não haja uma diluição tão rápida do sódio na corrente sanguínea e evitando um estado precoce de hiponatremia.

Além disso, devemos levar em conta outro aspecto fundamental, quanto maior o tempo de atividade física, maior deve ser nossa atenção à reposição de fluidos e sódio, os que mais devem estar atentos a isso são os atletas de atividades de ultra-endurance.

Juntando tudo

  1. Sempre comece seus eventos bem hidratado, faça o possível para manter a sede baixa;
    • Monitore a urina algumas horas antes do evento, em níveis normais de hidratação a cor varia de um amarelo pálido à muito pálido. É importante estar ciente de que alimentos ricos certas vitaminas alteram a cor da urina – como é o caso do fígado, rico em B12;
  2. Comece a se hidratar horas antes do evento (idealmente começando na noite anterior) – e não minutos antes da largada;
  3. Para a maioria dos casos, beba apenas quando sentir sede;
  4. O consumo de fluídos pode ser dispensável para treinos leves de até 1hr;
  5. Se for um treino/prova intensa com um máximo de 1 hora de duração não precisa se preocupar muito com a hidratação durante o evento. Aproveite a oportunidade nos postos de hidratação para o caso de precisar de algo junto ao consumo de seu carboidrato, não se sinta obrigado em beber em todos eles;
  6. A duração da atividade (ou o quão quente está o dia) que vai ditar a sua atenção com ingestão de fluídos e sódio, quanto maior a duração mais importante se torna o controle da ingestão deles:
    • A maioria dos atletas consegue lidar com eventos de 3:00 a 4:30 horas com algum nível de desidratação sem terríveis consequências. Quando a janela fica maior que isso que as ramificações dos problemas se desdobram;
    • O sal utilizado na alimentação do dia anterior e do pré-prova é o suficiente para a maioria dos casos;
    • Pesquisas e levantamentos apontam que aqueles que tinham água à disposição e só bebiam conforme a sede, consumiam de 400 a 800ml;
    • Ainda, encontraram um limite superior de consumo para a maioria dos atletas, no qual aqueles que consumiram mais de 900ml por hora começaram a ter desconfortos e piores desempenhos. Podemos tratar isso como um máximo;
    • Mesmo que a hiponatremia seja possível de ocorrer na janela de tempo de uma maratona (aqui considerando os mais lentos), é mais provável que ocorra em eventos de ultra-endurance;
    • Para esses eventos bem longos, recomendações apontam que é interessante consumir cerca de 600-800mg de sódio para cada litro de fluído ingerido. A título de curiosidade, 1g de sal de cozinha tem aproximadamente 330mg de sódio.

Após a prova ou treino

É importante fazer o possível para recuperar o peso perdido durante o evento nas próximas horas após o término do evento. Então, caso você desidrate 2kg, deve tentar ingerir 2lts de água para recuperar o seu peso nas próximas horas após o término do evento.

Nesse momento também devemos dar atenção à reposição de outros micronutrientes importantes, como o potássio e magnézio, mas no geral uma boa alimentação durante o pós-evento e pelo dia é o suficiente para que nos recarreguemos.


Fontes:

 

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