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Treinos de resistência para Ultramaratonistas

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  • tempo de leitura: ~13 minutos
Corredor/Ultramaratonista solitário em estrada beira-mar, treinando a sua resistência em um de seus longões

O papel dos treinos de resistência – corridas longas, fáceis e de recuperação – no treinamento de ultramaratonistas.

Esta é a primeira parte de uma série de traduções adaptadas de matérias do site I Run Far que será dividida em 4 partes com diversos treinos para ultramaratonistas, onde cada parte envolve o estresse de um dos sistemas energéticos. As quatro partes são:

Nota importante: Desde que 2 atletas não possuem o mesmo background, preferências e metas, é quase impossível assumir números que funcionem para todos sobre o quanto se deve fazer e o que se deve fazer. O que foi feito foi apresentar um framework geral e sugestões sobre abordagens e como maximizar o seu processo de treinamento. As abordagens apresentadas em todas as partes desta série podem ser utilizadas como os atletas/treinadores preferirem desde que as suas metas e procedimentos sejam claros e estejam de acordo com o objetivo final do atleta. Apesar das matérias serem focadas para ultramaratonistas, nada impede de corredores de outras distâncias utilizarem os exercícios apresentados na série. O protocolo mais comum é utilizar a abordagem do Arthur Lydiard, mas caso tenha curiosidade é possível utilizar esses conceitos com a abordagem do Renato Canova.

O que você encontrará nesta página:


Esta é a chance de passar horas em suas rotas favoritas e fazer o que nos diferencia da maioria dos outros corredores – ir longe. Maratonistas de elite raramente correm mais de ~38 quilômetros (24 milhas) por sessão de treino, mas ultramaratonistas regularmente vão um pouco mais distante. Existem 3 treinos baseados em resistência que podem melhorar a sua corrida em distâncias de ultramaratonas. Contudo, antes de mergulharmos nas especificidades do longão, vamos primeiro discutir os dois treinos mais curtos, que muitas vezes são esquecidos: rodagens leves e corridas de recuperação.

Rodagens Leves

Corridas fáceis mantêm e maximizam o seu fitness aeróbio. A maioria das corridas em uma determinada semana acabam se encaixando nesta categoria. Elas geralmente são menores que 90 minutos e são feitas em um ritmo leve. Ainda assim, muitos corredores falham em treinamento ao executarem estas corridas muito rápido. Embora o pace deva ser estável, você deve ser capaz de manter uma conversa relaxada e manter a frequência cardíaca entre a Zona 1 e Zona 2.

Essas rodagens podem certamente ser feitas em trilhas, mas as subidas podem vir a elevar a sua frequência cardíaca. Isto não tem problema, contanto que sejam infrequentes e curtas, mas use intervalos de caminhadas em locais mais íngremes para manter o esforço baixo.

Corridas de Recuperação

Esses treinos ajudam com o processo de recuperação entre os esforços mais difíceis. Os ditos regenerativos podem ser utilizados nos períodos de recuperação entre intervalados taxativos, ou em dias seguidos a treinos mais rigorosos, incluindo as corridas longas, além de complemento de volume nos dias onde são necessários manter dois treinos. Elas são propositalmente curtas em duração e se mantêm em ritmo de esforço bem baixo.

Essas corridas podem ser utilizadas como recuperações ativas, onde a frequência cardíaca, idealmente, deve ficar ficar na faixa da Zona 1. Novamente, se for em um terreno com subidas, mantenha os esforços físicos baixos, incorporando caminhadas nos locais mais íngremes ou parando temporariamente para tomar fôlego.

Os Longos

Esses treinos são os mais importantes dos treinos baseados em endurance para os ultra-corredores. Os longos habilitam os atletas a construir uma base fitness forte, correr em distâncias cada vez maiores e melhoram a confiança no dia da prova.

Longões com esforço constante

Normalmente esse treino é o que vem à mente quando se pensa no longão. O objetivo é simplesmente passar bastante tempo com os pés em movimento e o esforço constante, em ordem a:

  • Treinar o corpo para ser eficiente em utilizar gordura de forma eficiente como fonte de combustível;
  • Fazer com que o corpo fique mais eficiente em poupar e utilizar glicogênio muscular;
  • Aumentar o tamanho e número de capilares musculares e mitocôndrias, melhorando o sistema aeróbio;
  • Aprender a manter o corpo em movimento enquanto está cansado.

O pace precisa ser fácil, mas consistente. Dependendo do terreno e de sua habilidade, pequenas paradas podem ser necessárias para manter a frequência cardíaca idealmente deve estar na Zona 2.

Longos com depleção de glicogênio

É recomendado que este treino seja feito logo no início da manhã, enquanto está em jejum, já que no intra-treino só podem ser utilizados água e repositores de eletrólitos até que o treino esteja concluído. Este tipo de corrida “ensina” o corpo a utilizar estoques de combustível com mais moderação e performar melhor e de forma mais eficiente quando o nível de glicose na corrente sanguínea está baixo.

Essas corridas são bem taxativas para o corpo e mente, e devem ser limitadas a sessões não mais longas do que 3 horas e feitas de forma bem espaçadas (idealmente de 3 a 4 semanas entre treinos). Seus usos são feitos no início da temporada de treino, quando as intensidades ainda estão baixas.

Longões com finalizações rápidas

Esses treinos são a exceção de uma típica sessão de corrida longa, onde o tempo nos pés em esforço leve e constante é o que importa. São um dos componentes mais desafiadores dos treinos de endurance. Assim como o nome propõe, o objetivo é terminar o treino em ritmo mais rápido ou com um nível maior de percepção de esforço. Essas corridas fazem o atleta um corredor mais forte e confiante, e ajudam a construir um hábito para os dias de prova. Devido à sua demanda energética, esses tipos de treinos costumam ser um pouco mais curtos que uma sessão de corridas longas.

Assim como o longo padrão, o treino começa em um ritmo estável e fácil, mas há um aumento do pace/esforço para próximo do ritmo de prova conforme o final do treino se aproxima. Para corredores novatos ou aqueles em início de temporada, a parte final do treino pode variar de 3 a 5 quilômetros no ritmo mais forte. Já para corredores mais experientes ou em final de temporada, essas finalizações podem ter de 13 a 16 quilômetros. Mantenha em mente que se estiver treinando em terrenos montanhosos e trilhas, o foco deve ser na percepção de esforço e não no pace.

Longos com mudanças no esforço

Assim como os treinos de longos com finalizações rápidas, estes treinos possuem um período de maior esforço. Contudo, em vez de haver um maior esforço apenas no final do treino, as mudanças de velocidade ocorrem durante o percurso. Essas corridas simulam subidas para aqueles que treinam em um terreno plano e não tem a disposição trilhas ou colinas, imitando o que podem encontrar no dia da prova. A seguir estão dois exemplos de treinos utilizando esta estratégia:

  • Treinos de 21 a 24 quilômetros; aqueça por 3 quilômetros em ritmo leve e comece:
  • Baseado em velocidade – Acelerações de 30 segundos em esforço de 5km a cada 6-8 minutos de treino. Corra de forma fácil entre as acelerações.
  • Baseado em Tempo – Acelerações de 1 minuto em esforço de 21km no início de cada ~1,5km. Corra de forma fácil entre as acelerações.

Back-2-Back

Esses tipos de treino se provaram bem efetivos para ultra corredores que vão além dos 50 quilômetros. Eles imitam a fadiga de ultramaratonas, contudo permitem uma recuperação entre as sessões de treino. É interessante programar esses treinos com um espaçamento de 4-5 semanas para permitir uma melhor recuperação. Também é importante progredir lentamente nesses tipos de treino, especialmente para aqueles que não estão habituados com um alto volume de treinamento. Para estes é interessante começar a construção de back-to-backs de forma mais curta.

A seguir estão duas formas de utilizar esta forma de treino:

  • Western States 100 Memorial Day – no qual consiste de 3 longos em dias seguidos, totalizando um percurso de 70 milhas (~112km), o que seria 70% do volume da ultramaratona em questão;
  • Faça um longo “normal” em um dia seguido de um longo com finalização rápida no outro dia, correndo em pernas cansadas.

Correr, não competir

Para ultramaratonistas experientes, pode ser melhor participar de várias ultramaratonas em vez de longos treinos individuais ou sessões com finalizações rápidas. Se escolher esta abordagem é importante tomar cuidado e tratar as corridas como treinos e não como competições, dando tudo de si. Um exemplo disso pode ser o Scott Jurek, que construiu volume adequado em 2003 para conquistar o seu objetivo em junho de 2004, a vitória na Western States 100.

Antes do seu objetivo, a sua última corrida com alto esforço ocorreu em agosto de 2003. Desta forma ele pôde chegar em junho “descansado”, sem lesões e bem determinado com o seu objetivo. Em março de 2004, ele iniciou sua temporada com a Way Too Cool 50k; em abril ele fez mais duas: Zane Grey 50 Mile e a Leona Divide 50 Mile; e em maio, 8 semanas antes da Western States 100, ele correu a Miwek 100k.

Conforme as distâncias aumentaram, a corrida anterior o preparou para a próxima, não perdendo de vista o seu real objetivo, e tratando as corridas como parte do treino. Assim ele alcançou a sua meta com a Western States 100, e ainda transformou quatro corridas clássicas em esforços de treinamento perfeitos para o seu evento alvo.

Quão longos devem ser seus Longos?

A distância ou tempo do que é longo é um conceito relativo que varia de acordo com o indivíduo. A literatura sugere que a distância mínima para uma corrida longa para um atleta treinado começa com aproximadamente 90 minutos, quando os estoques de glicogênio do corpo ficam estressados, e mantendo baixos os riscos de lesão e overtraining.

Mas e quando os riscos começam a superar os benefícios, à medida que a duração dessas corridas aumenta, o que fazer? Para determinar a distância mais vantajosa que um determinado atleta deve cobrir durante o seu treino longo, alguns fatores precisam ser levados em conta: a experiência do atleta; frequência de lesões; idade; e prova alvo.

A seguir estão algumas considerações para planejar as suas corridas longas:

  • Ultramaratonistas novatos, com experiência limitada ou “inexistente” em treinamento para maratonas devem se resguardar e deixar a ultra-distância para o dia da corrida. Uma abordagem conservadora deve permitir um ciclo de treino ininterrupto, sem excessos e livre de lesões, para permitir que a primeira vez do atleta tenha boas chances de completar a prova. Para atletas mais experientes que completaram algumas provas com sucesso e têm 1 ou 2 anos de volume de treino consistente sob seus pés, devem explorar abordagens mais agressivas de corridas longas, como as vistas anteriormente;
  • Corredores que são vítimas de lesões recorrentes ou persistentes devido a um aumento de volume inadequado, técnica imprópria, programação de treino ruim ou má biomecânica devem ter uma abordagem mais conservadora para suas corridas mais longas. Neste caso, menos é mais. Começar uma prova com 80% a 90% de preparação lhe dará uma melhor chance de completar, do que não ser capaz de sequer participar devido a uma lesão causada por um ciclo de treino mais agressivo;
  • Boa parte dos competidores de ultra competindo hoje em dia caem na categoria dos masters. Apesar de conquistarem resultados impressionantes com sessões de treinos excepcionais, eles precisam de mais recuperação do que seus adversários na casa dos 20 e 30 anos;
  • Eventos mais curtos, como os 50k, não requerem muitas horas de treino durante o final de semana, ou potenciais treinos mais estressantes (como back-to-backs) que as ultras mais longas necessitam. Ir pegando o jeito com essa distância mais curta é um bom ponto de início para os corredores mais ambiciosos que desejam progredir para as 50 milhas, 100k, 100 milhas e eventos com mais de 24hrs;
  • É importante entender e considerar o conceito de Tempo x Quilometragem no controle de volume de treino. Fazer o seu treino por tempo, em especial quando boa parte dele é realizado em trilhas e locais montanhosos, alivia a pressão de ter que cobrir determinada quilometragem;
  • Ajuste a duração de sua corrida longa de forma adequada ao seu volume de treinamento mais recente. No início de temporada de treino, prepare o seu corpo com distâncias seguras, um bom ponto de início é restringir os seus longos com 20 a 30% do volume semanal de treino. Por exemplo, se possui 60 quilômetros de volume semanal, então seus longos devem estar entre 12 e 18km. Utilize esta regra por alguns meses, e então pode começar a explorar distâncias mais elevadas que irão te preparar para suas provas específicas;
  • As frequências das corridas longas podem ser ajustadas. Não fique receoso em mudar o típico ciclo de 7 dias de treino. Muitos atletas têm sido bem sucedidos com ciclos de 10 a 14 dias para a rotação de seus longos;
  • Treinar no mesmo tipo de terreno da corrida alvo é fundamental, mas não deixe que a especificidade do terreno limite as escolhas de locais para os seus treinos longos. Variar terrenos e locais permite que haja tanto alívio físico quanto mental;
  • Programe uma semana de recuperação a cada 3-4 semanas de treino, onde a distância do longo caia em ~50% e o ciclo tenha uma queda tanto em volume quanto em intensidade, permitindo que o corpo absorva todo o treinamento executado, enquanto se prepara para o novo ciclo de treino.

Tenha em mente que as considerações feitas acima podem e devem ser ajustadas por cada atleta para se encaixar em seus programas de treino, necessidades, rotina familiar e trabalho, objetivos específicos, assim como seus atuais níveis de habilidade. A progressão no longo prazo não é um conceito sazonal, e sim um comportamento de toda uma vida. O volume e intensidade de seus treinos irão aumentar conforme o seu corpo cria adaptações ao trabalho executado ao longo dos anos.


Fontes:

 

#endorfine-se

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